Braseiros e Canaviais
uma obra de Gilsamara Moura e Denny Neves
SOBRE A OBRA
De onde vem o fogo?
Vem daqui e de lá.
De onde vem o fogo?
Da pré-história.
Era proteção.
Hoje, destruição.
De onde vem o fogo?
Vem daqui e de lá.
De onde vem o fogo?
Da pré-história.
Era benefício.
Hoje, criação.
Braseiros e Canaviais é inspirado em imagens, poéticas e estéticas, de figuras rurais provenientes dos canaviais dos interiores e figuras presentes em comunidades e favelas dos grandes centros urbanos do Brasil.
O que antecede ao corte da cana-de-açúcar nos canaviais de diversas regiões do país? São as “queimadas”, frequentemente utilizadas como estratégia para facilitar a colheita da cana-de-açúcar.
O que antecede às grandes “queimadas” nos centros urbanos das cidades brasileiras? São as chacinas à-queima-roupa, utilizadas também como queima de arquivos humanos.
Braseiro significa, nesse contexto, queimar a palha, respirar a fuligem, incendiar o corpo-caule-cana, tornar brasa e afiar foices e facões por reinvindicações sócio-político-culturais. São imagens que, figurativamente, os dançarinos-intérpretes remetem às questões que dizem respeito, por exemplo, às reinvindicações sociais como o direito à moradia e contra o latifúndio.
Figuras tradicionais, presentes no imaginário da cultura popular, como o caboclo-de-lança, as benzedeiras, cangaceiros e brincantes se metamorfoseiam em figuras contemporâneas, como bóias-frias, badameiros, ativistas sociais e políticos, que tendo o “braseiro” como metáfora, apresentam questões como movimento sem-terra, etnocídio, expropriação cultural, dentre outros.
Em “Braseiros e Canaviais”, os intérpretes dialogam com movimentos e jogos corporais provenientes do imaginário das manifestações tradicionais populares brasileiras, com movimentos e jogos provenientes da dança contemporânea que tocam em questões e expressões humanas universais, presentes em conflitos sócio-político-culturais atuais.
NOTAS:
Canaviais - Plantação de cana-de-açúcar. Canavial é uma palavra que faz referência à uma grande quantidade de uma certa gramínea, naturalmente encontrada em zonas inundáveis (brejos ou pântanos, por exemplo), depressões inundadas ou estuários de rios. A cana comum (Phragmites australis), naturalmente ocupa áreas úmidas, incluindo lagoas, valas, diques, pântanos e estuários e áreas de brejos. Ao secar, tal gramínea dá origem a uma palha seca que se degrada, atuando como agente filtrador de impurezas.
Além desta função natural, a palha proveniente da cana costumava (ou ainda costuma) ser importante para muitas economias locais, sendo tradicionalmente colhida nos meses de inverno e utilizada para o forro de tetos de casas. Mas, hoje em dia, a palha têm um papel importante nos processos de tratamento de água, em especial as canas cultivadas artificialmente, que são empregadas em processos de despoluição de águas cinzentas (nome que recebe qualquer água residual, de natureza não-industrial, originada a partir de processos domésticos como lavar louça, roupa ou tomar banho). A planta possui ainda outro papel ecológico importante, podendo ser usada para filtrar a poluição e também absorver produtos agrotóxicos e similares, quando plantada ao redor de edifícios e auto-estradas.
As phragmites australis são plantas vistosas ao longo do ano. No final da primavera e início do verão, elas são verdes e exuberantes, com flores magenta surgindo ao final do verão. As espécies de canaviais
variam dependendo dos níveis de água no ambiente, clima, variações sazonais, e o status de nutrientes e salinidade da água.
O ambiente úmido do canavial abriga ainda uma grande variedade de seres vivos, em especial insetos e seus predadores, aves como o abetouro-comum (Botaurus stellaris - da família das garças) ou o rouxinol-pequeno (Acrocephalus scirpaceus), além de pequenos mamíferos, como o castor europeu. Canaviais com níveis de água igual ou inferior à superfície, durante o verão, são muitas vezes mais complexos no aspecto da biodiversidade e botânica. Juncos e plantas similares geralmente não crescem em água com Ph ácido e, por isso, nestas situações, os canaviais são substituídos por vegetação. Apesar da cana comum ser a componente fundamental dos canaviais, podem ocorrer canaviais com outros tipos semelhantes de planta, mas estes são mais raros na natureza.
Popularmente, o termo é mais empregado para se referir às grandes áreas rurais em que se encontram ocupadas pela cana-de-açúcar, planta utilizada comercialmente na extração de vários produtos derivados, principalmente o álcool utilizado na produção de combustível automotivo, ou então, como fonte para a produção do açúcar doméstico.
Braseiros e Queimadas:
Braseiro - substantivo masculino. Recipiente de louça, de metal, para brasas; qualquer lugar onde há brasas. Conjunto das brasas que sobram de um incêndio, que restam de uma fogueira. Brasido, fogareiro.
Queimadas - Uma queimada é um processo de queima de biomassa vegetal (madeira, palha, vegetação viva). Seus efeitos muitas vezes excedem a escala local, afetando a composição da atmosfera e contribuindo para as mudanças climáticas.
Os efeitos do fogo sobre o ambiente natural
Os incêndios florestais que ocorrem naturalmente são parte integrante e necessária de muitos ecossistemas (como acontece no Cerrado), e os organismos que compõem as comunidades desses ambientes apresentam adaptações para enfrentar o fogo e até mesmo tirar proveito dele.
Assim, por exemplo, o calor do fogo pode ser o fator necessário para que certas sementes germinem, aproveitando-se do fato de que, na paisagem queimada, a competição entre espécies será menor e essas sementes terão maior acesso à luz, à água e aos nutrientes. Em muitos ecossistemas em que predominam campos com gramíneas, o fogo é também um agente na reciclagem de nutrientes.
A ocorrência de incêndios florestais não se limita às regiões tropicais; esses fenômenos também são comuns nos climas mediterrâneos da Europa, dos Estados Unidos, da África do Norte, da África do Sul, do Chile e da Austrália; e ainda em áreas de floresta boreal, como no Alasca, no Canadá na Finlândia e na Rússia.
Incêndios naturais acontecem periodicamente no Cerrado, e algumas sementes só germinam após a passagem do fogo.
A maior parte das queimadas, porém, ocorre por ação humana, por razões variadas: limpeza de pastos, preparo de plantios, desmatamentos, colheita manual de cana-de-açúcar, vandalismo, queda de balões, disputas fundiárias e protestos sociais, entre outras. O Brasil perde, a cada ano, cerca de 15 mil km2 de florestas naturais por causa de incêndios. Na América do Sul, são 40 mil km2 queimados por ano.
A queima de matéria orgânica produz água, gás carbônico, monóxido de carbono, óxidos nitrosos, hidrocarbonetos e material particulado. Como esses produtos são lançados na atmosfera, as queimadas causam danos à saúde das pessoas. A fumaça e o fogo acarretam acidentes e perda de propriedades e prejudicam a aviação e os transportes. O fogo, ao escapar do controle, atinge o patrimônio público e privado (florestas, cercas, linhas de transmissão e de telefonia construções, etc.).
As queimadas alteram, ou mesmo devastam, totalmente os ecossistemas: destroem a fauna e a flora; ao matarem os microrganismos do solo, o tornam mais pobre; calcinando a sua superfície, reduzem a penetração de água no subsolo. De um ponto de vista mais amplo, as queimadas são responsáveis por modificações na composição química da atmosfera e, por extensão, influem de forma negativa sobre as mudanças climáticas do planeta, contribuindo para o aumento do efeito estufa e, portanto, para o aquecimento global.
Chacina – Assassinato em massa.
À-queima-roupa: Utilizado normalmente na locução: à queima-roupa. Muito próximo: ele foi assassinado com um tiro à queima-roupa. De forma imediata, desprevenida: naquela briga ela lhe disse alguns desaforos à queima-roupa.
Latifúndio - é um termo originário da língua latina, combinação de lātus (significa amplo, espaçoso, extensivo) e fundus (fazenda) e que, atualmente, serve para se referir à propriedade rural de grande extensão, constituída em sua maioria de terras não cultivadas e/ou exploradas com técnicas de baixa produtividade. Na Roma antiga, "latifúndio" era a grande propriedade agrária de um aristocrata, cuja produção estava baseada no trabalho escravo.
No século XVI, em meio às explorações marítimas dos povos ibéricos, o latifúndio ganha novo ímpeto, com a adição de uma característica marcante, além de todas citadas acima: a monocultura de exportação. Este formato de exploração da terra influenciou, de modo indelével, a evolução das sociedades de praticamente todo o continente americano nos últimos 500 anos, inclusive a brasileira e, nos dias atuais, costuma ser alvo de inúmeras críticas.
Movimento Sem Terra - A História da luta pela terra - O Brasil é um dos países com maior concentração de terras do mundo. Em nosso território, estão os maiores latifúndios. Concentração e improdutividade possuem raízes históricas, que remontam ao início da ocupação portuguesa neste território no século 16. Combinada com a monocultura para exportação e a escravidão, a forma de ocupação de nossas terras pelos portugueses estabeleceu as raízes da desigualdade social que atinge o Brasil até os dias de hoje.
Lei de Terras - Em 1850, mesmo ano da abolição do tráfico de escravos, o Império decretou a lei conhecida como Lei de Terras, que consolidou a perversa concentração fundiária. É nela que se encontra a origem de uma prática trivial do latifúndio brasileiro: a grilagem de terras – ou a apropriação de terras devolutas através de documentação forjada – que regulamentou e consolidou o modelo da grande propriedade rural e formalizou as bases para a desigualdade social e territorial que hoje conhecemos.
Resistências Populares - Nos países centrais do sistema capitalista, a democratização do acesso à terra, a reforma agrária, foi uma das principais políticas para destravar o desenvolvimento social e econômico, produzindo matéria prima para a nascente indústria moderna e alimentos para seus operários.
No Brasil, nem mesmo as transformações políticas e econômicas para o desenvolvimento do capitalismo foram capazes de afrontar a concentração de terras. Ao longo de cinco séculos de latifúndio, também foram travadas lutas e resistências populares. As lutas contra a exploração e, por conseguinte, contra o cativeiro da terra, contra a expropriação, contra a expulsão e contra a exclusão, marcam a história dos trabalhadores. A resistência camponesa se manifesta em diversas ações e, nessa marcha, participa do processo de transformação da sociedade.
Desde meados do século 20, novas feições e formas de organização foram criadas na luta pela terra e na luta pela reforma agrária. Nas diferentes regiões do país, contínuos conflitos e eventos formaram o campesinato no princípio da segunda metade do século passado.
“A ditadura implantou um modelo agrário mais concentrador e excludente, instalando uma modernização agrícola seletiva, que excluía a pequena agricultura”.
O regime militar foi duplamente cruel e violento com os camponeses.
Por um lado - assim como todo o povo brasileiro – os camponeses foram privados dos direitos de expressão, reunião, organização e manifestação, impostos pela truculência da Lei de Segurança Nacional e do Ato Institucional nº 5. Por outro, a ditadura implantou um modelo agrário mais concentrador e excludente, instalando uma modernização agrícola seletiva, que excluía a pequena agricultura, impulsionando o êxodo rural, a exportação da produção, o uso intensivo de venenos e concentrando não apenas a terra, mas os subsídios financeiros para a agricultura.
ANO DE CRIAÇÃO
2018
FICHA TÉCNICA
Criação e Interpretação: Gilsamara Moura e Denny Neves
Figurinos: Denny Neves
Textos: Gilsamara Moura
Grupo de Pesquisa: ÁGORA – modos de ser em dança (Universidade Federal da Bahia)
Produção: Grupo Gestus
Equador - 2018
Itália - 2019